Quanto custa a sua opinião? E quanto valem as suas crenças?
No último mês, recebemos quase que em sequência duas notícias relacionadas a chefs renomados que se juntaram a grandes empresas alimentícias. A maior polêmica gira em torno da falta de coerência entre seus discursos que defendem (ou defendiam) uma alimentação mais natural e sustentável e a atuação das empresas com seus produtos superprocessados, ricos em sódio e quase sempre com conservantes ou outros aditivos químicos.
Primeiro foi o Alex Atala, que acabou de participar da série Chef’s Table, produzida pelo Netflix, defendendo os pequenos produtores e a importância de se optar pelos ingredientes regionais. O mesmo que sempre valorizou a cozinha afetiva e criou recentemente um instituto que tem a poética missão de “Aproximar o saber do comer, o comer do cozinhar, o cozinhar do produzir, o produzir da natureza”, e que pretende abordar os diferentes biomas brasileiros e redescobrir e impulsionar diferentes ingredientes. Lindo, né? Até ele associar a sua imagem ao grupo líder mundial no processamento de carnes.
Depois veio o Jamie Oliver, conhecido mundialmente por incentivar o uso de ingredientes naturais e orgânicos e por seu trabalho intenso para mudar hábitos alimentares por onde passa, com receitas rápidas e nutritivas. Sua fama foi construída em torno de um grande projeto pela reforma no sistema da merenda escolar nas escolas britânicas, com o objetivo de substituir os alimentos industrializados e o fast-food por refeições balanceadas, naturais e ricas em verduras e fibras. Ele mesmo que anunciou o lançamento de uma linha gourmet de comidas congeladas em parceria de uma das empresas líderes no setor de lasanha, nuggets, pizza e hambúrgueres que ficam prontos em poucos minutos no micro-ondas.
Na teoria, os dois anúncios parecem lindos. Mas e na prática? Segundo Jamie, o projeto inclui a meta de ensinar não sei quantas mil crianças a cozinhar nos próximos três anos. Mas e a linha de congelados, como iria para a frente ao mesmo tempo em que incentiva as pessoas a prepararem sua própria comida em casa, evitando ao máximo as comidas compradas prontas? Para mim parece contraproducente.
Será que Atala e Jamie não conseguiriam manter seus discursos sem se contradizerem em ações comerciais como estas? Não sei, algo me parece fora do eixo. Posso estar errada (e espero mesmo que esteja e que de fato haja grandes projetos envolvidos), mas no fim do dia as empresas querem vender, e não medem esforços para isso. E, do ponto de vista delas, têm mais é que valorizar o seu produto e se aproximar de quem fala com o público que querem atingir.
Eu só acho que pessoas, principalmente figuras públicas com uma reputação construída em cima de um determinado posicionamento, não deveriam se aliar a parceiros que não condizem com suas crenças e valores em troca de dinheiro (que aliás, convenhamos, eles não estão assim precisando tanto a ponto de ter que anunciar um produto que vai contra o que pregam, né?). Ou será que toda aquela conversa linda e envolvente não era assim tão autêntica? Fica a dúvida.
Estou cada vez mais desiludida com esse mundo gastronômico que acredita numa coisa mas dependendo da cifra oferecida acaba mudando de ideia. Ninguém é obrigado a manter a mesma opinião para sempre, só acho estranho mudarem assim de lado de uma hora para outra. Já pensou dona Bela Gil anunciando salgadinho de milho transgênico? Pois é exatamente isso, não faz sentido algum.
Ok, cada um, cada um, mas meus valores e minha opinião não estão à venda – e é exatamente por isso que durante todo esse tempo de blog eu aceitei divulgar e fiz publieditoriais sobre produtos e empresas em que confio realmente e que indicaria independente de pagamento ou brinde. Porque, no final, é a minha credibilidade que está em jogo e isso realmente nenhuma fortuna é capaz de recuperar, uma vez perdida.
Vamos aguardar as cenas do próximo capítulo! 😉
Paulo Roberto Rodrigues
6 de julho de 2016 em 0:21
Meus parabéns pelo artigo Luciana!!!!
Luciana Carpinelli
6 de julho de 2016 em 2:39
Super obrigada, Paulo.
Grande abraço e volte sempre 🙂
Carla de Souza Colombo
6 de julho de 2016 em 2:40
Mandou benzasso Lu e sintetizou o que eu tb penso e sinto
Luciana Carpinelli
6 de julho de 2016 em 2:43
Valeu, Carla!
A gente precisa falar sobre essas questões, né?
Beijão
Marcelo Masili
6 de julho de 2016 em 2:45
Excelente moça. Concordo da primeira à última linha.
Luciana Carpinelli
6 de julho de 2016 em 2:59
Obrigada pelo apoio, sempre. 🙂
Camilla Estima
7 de julho de 2016 em 17:30
Sempre fui a maior defensora desses chefs mas vc sabe que eu acho que o jamie oliver deve estar acreditando que o processo produtivo da sadia vai mudar mesmo. Acho que ele acredita na causa e vai tentar…..só não sei se ele sabe como funciona a indústria alimentícia brasileira 🙁 enfim, vamos aguardar.
Das duas uma, ou ele já já tira o nome dele disso ou veremos uma possível e real mudança no processo produtivo
Felicia
7 de julho de 2016 em 20:30
Adorei o artigo. Falei sobre isso no meu ig @alimentodobem. Ficamos mesmo indignadas com essa situação!
Kátia
10 de julho de 2016 em 16:19
nunca fui muito com a cara de chef pop star. claro que acho interessante várias abordagens de ambos mas sempre fico com os dois olhos abertos sobre o que eles pregam pois sei que pela quantia adequadas eles (e talvez nós, por que não?) se vinculariam à ideias contraditórias.
o atala já havia se vinculado à caldo em tablete, por exemplo, e aquela pra mim foi a prova de que o ganho comercial se sobrepõe aos ideiais de qualidade que ele prega na própria cozinha.
marianapavani
5 de fevereiro de 2019 em 5:30
Creio que eles tentam e tentaram, pode ser que tiveram decisões não muito coesas, mas estão fazendo algum movimenro.